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Reportagem: Lar Doce Cabanas

Lar doce Cabanas 
Conheça um pouco mais sobre o bairro que conta com a força do seu comércio e com a união e engajamento de sua comunidade para fugir dos estigmas dados aos bairros de periferia.

Fernanda Miranda Dias

Ao atravessar a Rodovia dos Inconfidentes, próximo ao famoso posto do Raul, visualizamos a rua que dá entrada aos bairros que os marianenses chamam de “cidade alta”. Essa tal cidade alta é composta pelos bairros Cabanas, Santa Rita de Cássia, Vale Verde, Santa Clara e Cartuxa. Muitas pessoas têm dificuldade de diferenciar um bairro do outro, o que faz com que o bairro Cabanas e os bairros de seu entorno se integrem e, no fim, a medida que se sobe o morro, tudo passa a ser “as Cabanas”. Para aqueles que têm dificuldade de identificar os bairros, a dica dos moradores é prestar atenção no nome das ruas. As ruas do Vale Verde têm nome de escritores, no Cabanas, de cidades, e no Santa Rita de Cássia, de distritos.

A subida íngreme revela o cansaço. Revela, também, a riqueza de um lugar estigmatizado por ser um bairro periférico. Conhecido como um local violento, o que, para muitos, não aparenta ser uma boa opção de moradia, o Cabanas surpreende com seu desenvolvimento e certa autossuficiência. Lojas de móveis, de roupas, supermercados, açougues, papelarias, buffets, mecânica de autos e motos, escolas, creches, casa lotérica, consultório dentário. A infinidade de comércios parece ser uma das maiores vantagens do bairro que se encontra relativamente afastado do centro.

A diversidade de estabelecimentos é o grande diferencial dos bairros. A comodidade de poder fazer compras, pagar contas e resolver outras necessidades sem precisar sair do lugar onde mora traz inúmeros benefícios aos seus moradores. O comerciante José Maria Alves, 58 anos, se diz apaixonado pelo Cabanas e aponta a diversidade do comércio como a principal vantagem do lugar. “Tem supermercado, tem farmácia, tem lotérica, tem quase tudo que a gente precisa aqui. É um bairro bem planejado, arejado e tal, com umas ruas muito boas”, afirma.

O comércio forte chama atenção das pessoas de outras localidades que, na busca pelo melhor preço, acabam optando por fazer suas compras nos comércios do Cabanas. Moradores relatam que a maior procura é por supermercados e açougues. Empreendedores locais também dão preferência aos comércios do bairro, com os quais, muitas vezes conseguem parcerias e descontos. Esse é o caso da dona de buffet Marília Malta da Silva, 47 anos. Ela também não poupa elogios ao comércio do bairro. “O bairro consegue se movimentar sozinho, sem depender do centro atualmente, poucas coisas só que nós precisamos de ir lá, nós já temos lotérica, igreja, supermercados muito bons, que tem preços melhores que os supermercados lá de baixo. É um comércio assim que gira com bastante estabilidade, dando pra gente muita condição, da gente não precisar tá dependendo tanto do centro, então isso faz a gente gostar”, conta a comerciante.

Embora o Cabanas seja considerado periférico e perigoso, muitos de seus moradores sentem orgulho do lugar em que vivem. Para eles, o bairro é um ótimo lugar para morar e não deixa nada a desejar se comparado aos bairros centrais. No Cabanas se encontra de tudo, o que faz com que a ida ao centro de Mariana seja, muitas vezes, desnecessária. A gerente de loja Simone Costa, 34, por exemplo, considera o Cabanas um bairro bastante desenvolvido: “Tem lotérica, se você não quiser descer no centro pra pagar conta pode pagar aqui mesmo. Então, ele é um bairro bom, evoluído. Com relação aos outros bairros de Mariana ele é o melhor, o único que tem lotérica é o bairro Cabanas. Se quiser tirar dinheiro você pode tirar na lotérica também”.

Quando perguntada se tinha o hábito de consumir no comércio local Simone diz que não, mas garante que seus pais dão preferência aos comércios do bairro: “Infelizmente compro mais no centro porque eu trabalho lá né, quando tô chegando aqui já tá tudo fechando. Mas meus pais fazem compra aqui no bairro”.

Dentre os que sentem orgulho do bairro em que mora está o aposentado de 66 anos, Agenor Tibúrcio Telesforo morador do bairro já há 31 anos. “É um bairro que cresceu muito né, tudo que você precisa, você encontra aqui. Tem lotérica, tem supermercado, tem farmácia, você não vai resolver nada lá no centro, você resolve tudo aqui mesmo. O pessoal muito humilde pra atender a gente, muito legal, então a gente acostumou com o bairro Cabanas”, diz.

Gente que faz

Ao optar subir para “as Cabanas” de ônibus, é possível poupar tempo e um bocado de fôlego. Desse modo, chega-se rapidamente ao ponto final do bairro. Lá em cima, já perto de serras e imponentes paredões de pedra a vista é muito bonita. Enxergamos Mariana quase que em sua totalidade. Ao apurarmos bastante a vista reconhecemos as torres da Catedral da Sé, o centro histórico, os jardins do seminário, algumas outras várias pontas de igrejas e vários outros pontos amados pelos turistas.

Lá em cima, fazendo parte de uma outra realidade, driblando o esquecimento e muitas vezes o descaso, uma comunidade sólida e unida vai dando seu jeitinho de também ser bela e importante. Vizinho de frente do ponto final Seu Agenor Tibúrcio Telesforo compartilha com alegria o jardim que cuidadosamente cultivou em um canteiro. O que antes dava lugar a lixo entulho hoje apresenta uma grande variedade de flores, chás, ervas e ainda passarinhos que pousam emuma casinha colocada especialmente para alimentá-los.

Seu Agenor conta que além do benefício para o bairro e sua rua, a construção do jardim também serviu para ele como um passatempo depois da aposentadoria: “Resolvi fazer aquele canteiro ali pra ocupar minha mente um pouco e quando eu não tenho nada pra fazer eu vou lá cato um matinho aqui, outro ali, minha mulher também me dá uma força de vez em quando.”

Ele é um exemplo de cidadão que tem a consciência da importância de se engajar a favor de melhorias para a comunidade em que vive: “É muito importante cuidar das coisas do bairro da gente. Essa praça é uma que nunca foi cuidada. Nesses 31 anos que moro aqui ninguém nunca fez nada por essa praça, nem a prefeitura”, conta.

As pessoas do bairro gostam do jardim e admiram a iniciativa dele. O principal benefício do canteiro é oferecer aos moradores folhas de chá para o preparo de remédios caseiros e temperos. Orgulhoso, Seu Agenor garante que até couve ele já cultivou no canteiro. Apesar de apreciado pelos moradores locais e também por pessoas que vão do centro ao bairro para buscar mudas e folhas de chá, o canteiro parece receber cuidados apenas de Seu Agenor e algumas vezes da esposa dele.

O máximo que os vizinhos fazem é preservar o local e contribuir com novas mudas. “Eles
gostam, mas quem cuida sou eu e minha esposa. A gente ganha algumas mudas né, de um amiga que mora aqui em cima”, diz seu Agenor que ainda acrescenta: “Eu gosto de ver fartura. Tinha até couve ali no meio, plantada. O importante do lugar quando você tá mexendo é ver fartura nele. Tem muda de chá, tem pé de algodão, muita gente vem buscar algodão ali, porque é bom pra inflamação né, vem gente lá do centro buscar muda aqui”.

O jardim não foi feito só para ele, mas sim para as pessoas da rua, do bairro e para quem mais quiser apreciá-lo. Para Seu Agenor, seu feito parece ser sinônimo de felicidade e realização. Com um sorriso largo ele transparece alegria ao falar das suas rosas e dos passarinhos que ele alimenta com frequência: “Aposentei e agora fiquei quieto, não tô querendo correr atrás de mais nada não. Agora é só alegria, só o meu jardim. A flor gosta que brinca com ela, cê sabe né? A flor quanto mais cê brinca com ela mais bonita ela fica”.

Apoio e acolhimento

Um pouco antes do ponto final, algumas ruas abaixo do jardim de Seu Agenor, encontramos o Centro de Integração Familiar (CIF), um projeto que faz parte da Fundação Marianense de Educação e é gerida por religiosas da Congregação Religiosa das Irmãs da Beneficência Popular, atendendo crianças de 7 a 14 anos que se encontram em situação de vulnerabilidade.

A iniciativa contribui muito para complementar a formação das crianças e atende aquelas que ficariam sozinhas em casa ou na rua enquanto os pais trabalham. Outros objetivos são a promoção do valor da pessoa humana, a interação de um com o outro e a valorização da educação escolar. O CIF pretende, ainda, oferecer aquilo que muitas vezes a família não tem condições de oferecer. Ao participarem das atividades oferecidas as crianças têm a oportunidade de sentir que são lembradas e de que pertencem a algum lugar.

Além de oferecer diversas oficinas como de bordado e dança, o CIF promove momentos de recreação bastante apreciados pelas crianças. Entre uma oficina e outra, geralmente, as crianças têm 15 minutos para brincar em uma pequena área pertencente ao espaço da casa onde funciona o projeto. Esse pode ser apontado como o momento preferido delas.

O CIF não conta com muitos recursos e infelizmente não consegue atender a todas as famílias que procuram o projeto. Para funcionar, o projeto precisa de apoio, parcerias e voluntariado. “Quem dera poder acolher todo mundo que procura a gente, mas a gente não dá conta, é uma espaço bem limitado. A gente sonha com uma quadra, com um espaço que possa atender mais crianças, que todo mundo que nos procure e realmente precise” diz Lilian Virginia dos Santos, pedagoga e coordenadora do CIF. Na falta desse espaço maior e das condições necessárias para contemplar um número maior de famílias e crianças, Lilian garante que eles fazem o melhor possível para aqueles já acolhidos.

Além desses pequenos momentos de recreação, no final do ano passado o projeto promoveu um passeio para todas as crianças no Trem da Vale, que vai de Mariana a Ouro Preto. A atração agradou muito as crianças que não escondiam a empolgação ao ver bonitas paisagens e ao passarem pelo túneis escuros. Além do passeio, tiveram também uma confraternização de fim de ano, na qual tiveram uma ceia de Natal e receberam presentes.

União e amizade

Muitos bairros que sofrem com o esquecimento e, muitas vezes, com a negligência do poder público acabam adquirindo a necessidade de união de seus moradores para que ambos se ajudem e para que todos possam brigar por melhorias, e desse modo, fortes laços de amizade vão se formando com o tempo. O fator amizade e costume com os vizinhos parece ser um dos pontos que mais agradam os moradores.

No Cabanas parece não haver espaço para inimizades com a vizinhança. Seu Agenor, por exemplo, parece ter muitos amigos e nenhum inimigo no bairro. “Graças a Deus, amizade demais, eu não tenho um inimigo ‘nas Cabanas’. Eu gosto do bairro Cabanas, o pessoal é muito amigo meu, todo mundo aqui. Aqui não tem ninguém contra ninguém, o pessoal aqui é todo unido, um ajuda o outro”, conta.

Nada como 30 anos morando no mesmo bairro para fazer com que grandes laços de amizade sejam construídos. O comerciante José Maria Alves, de 58 anos, é um ótimo exemplo disso. Ele garante que não trocaria o bairro em que vive há tanto tempo pelo centro: “As minhas amizades, pessoas que gostam de mim, que eu gosto tá praticamente quase todo mundo aqui, uai. Aí a gente cria afinidade com o lugar e fica difícil pra sair. O bairro em si eu acho que é o melhor de Mariana. E igual eu disse, a gente pega uma afinidade com as pessoas tal e eu gosto de todo mundo”.

O que faz falta

Apesar de ser querido por seus moradores e apresentar algumas vantagens em relação a outros bairros de Mariana, o Cabanas e os bairros de seu entorno sofrem com muitos problemas comuns aos bairros de periferia. Os moradores relatam problemas ligados à má distribuição de água, à falta de infra-estrutura (acessibilidade, pavimentação de ruas), transporte ineficiente e falta de áreas de lazer.

O morador Geraldo Magela Vieira, 50, advogado e membro ativo da associação de moradores do bairro, por exemplo, considera falhas no abastecimento de água como um dos maiores problemas enfrentados pelos moradores. “Se consideradas as necessidades básicas, a falta de água é o maior tormento da Comunidade”.

Falta água e, também, segurança. O bairro não possui um posto policial e nem mesmo um posto da guarda municipal. “Outros serviços não são devidamente ofertados, a exemplo: a prestação da segurança pela guarda municipal, um serviço elitizado que desmerece o bairro em detrimento do Centro, e que se tornou fato corriqueiro, podendo ser constatado por qualquer cidadão que tenha uma leitura mais atenta ao passar pelo centro da cidade,” completa Geraldo.

Seu Agenor também reclama da falta de um posto policial no bairro e concorda que a falta de água sempre causa grandes transtornos: “Que eu achava que precisava é um posto policial. A Cabanas é muito grande. O Cabanas tem época assim meio violenta. Então, o povo precisava de um posto policial aqui. Em época de seca falta muita água. Aqui tem que ter água porque se faltar água atrapalha o serviço dela (filha dele que é cabeleireira e dona de um salão no bairro). Já aconteceu de o salão ficar sem água”.

Outra grande demanda do bairro são as áreas de lazer e espaços de convivência. Embora seja um bairro grande e desenvolvido, em uma volta pelo bairro podemos perceber que não há praças, campos ou quadras poliesportivas e academias ao ar livre, por exemplo. Muitos moradores sentem falta de espaços como esses e os veem como uma grande necessidade. “O bairro Cabanas não tem um local assim pra pessoas da terceira idade fazer tipo uma academia e coisa e tal, uma quadra, tem quadra assim, mas é tipo particular que é dos colégios” conta José Maria Alves, 58.

Juliana, que é mãe, também sente falta de espaços destinados ao lazer: “O que mais falta no bairro são espaços de lazer. O bairro é desprovido de praças e locais públicos para encontros ou onde possamos levar as crianças para brincar”.

Um desejo antigo dos moradores do bairro é a reforma do campo de futebol que fica localizado atrás da policlínica do bairro. Os moradores convivem já há um bom tempo com a promessa da reforma que parece não caminhar.

Mas, provavelmente, muito em breve os moradores poderão ver as obras saírem do papel. Segundo nota lançada no site oficial da Prefeitura Municipal de Mariana no dia 05 de Dezembro de 2017, as intervenções que darão origem ao tão esperado campo de futebol do Cabanas foram iniciadas. A previsão é de que o projeto seja concluído e entregue no primeiro semestre de 2018. A prefeitura promete uma estrutura moderna que contará com pista de atletismo, vestiários e arquibancadas.

Esquecimento e descaso

Uma reclamação recorrente entre os moradores diz respeito à postura do poder público com relação ao bairro. Muitos relatam que são lembrados apenas em época de eleição. Em outros momentos não é comum que o lugar receba visitas do prefeito e dos vereadores. Juliana do Carmo Mendonça Cota, 31 anos, pedagoga na Escola Estadual de Ensino Médio – Cabanas, concorda que o bairro em alguns momentos parece ser esquecido. “Não é que o poder público não faça nada pelo bairro, mas é perceptível que muitos investimentos que poderiam ser feitos são postergados até o limite, muitas vezes com desculpas descabidas”.

O descaso com as necessidades do bairro acaba revelando certa desvalorização do bairro tanto pelo poder público quanto pelo resto da cidade. Muitos problemas só são resolvidos após muita luta dos moradores e associações de bairro. Situações como essas trazem desvantagens ao bairro, como diz Geraldo Vieira: “A desvantagem está diretamente relacionada a falta de atenção do poder público, o qual, negligencia o bairro durante quase todo um mandato eletivo, e, quando da (re)eleição, reaparecem.”
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