Quando a rivaldide começa em casa
Quando o filho deixa de ser apenas o adorável e passa a ser encarado como um potencial rival, um depositário de angústias e fracassos pessoais, o companheiro de outrora se torna apenas a constatação do quanto a sua vida poderia ser diferente se ele não existisse. O sucesso dos outros incomoda mais quando a pessoa prestigiada está mais perto.
E isso pode ser notado logo no início do filme quando o narrador enumera as dezenas de qualidades do filho Uriel Shkolnik (Lior Ashkenasi), enquanto o diretor Joseph Cedar nos mostra o pai, Eliezer Shkolnik (Shlomo Bar Aba), nos dando a impressão de que as titulações acadêmicas são de um quando na verdade são do outro. Esse jogo entre áudio e visual só é revelado quando a câmera foca no pai e filho, sentado, lado a lado, e Uriel se levanta para receber mais um dos seus inúmeros prêmios e o diretor passa a focalizar apenas Eliezer - enquanto Uriel discursa no palco - de cabeça baixa, em um misto de vergonha e revolta.
Engraçado recordar que no Festival de Cannes em 2011, quando anunciado o prêmio de melhor roteiro para “Footnote” tenham surgido as primeiras vaias do festival. Garanto que era isso o que Eliezer queria fazer naquele momento quando Uriel subiu ao palco para receber mais uma congratulação pelos serviços prestados a comunidade acadêmica de Israel.
O público de Cannes achou o filme demasiadamente comercial. O que não deixa de ser verdade. Em determinados momentos o diretor é contaminado pelo cinema hollywoodiano e passa a nos explicar o que acontecerá nas cenas seguintes: “A fortaleza de Uriel Shkolnik”; “Algumas coisas que você precisa saber sobre Eliezer Shkolnik”. Tudo isso tira um pouco da beleza da película, mas não o condena totalmente. Nesse caso prefiro ver o copo meio cheio da situação.
Como por exemplo, é possível observar no começo do filme o antagonismo da construção dos dois personagens principais. Eliezer, rabugento e solitário, e Uriel, sorridente e acolhedor. Em mais um jogo inteligente do diretor, é interessante notar que no decorrer da trama há uma inversão de papeis sociais entre os dois. O barulho começa a incomodar Uriel que passa a se isolar no quarto de estudos, a constante irritabilidade com os familiares, e até a forma de arrumar os óculos de grau passa a ser idêntica ao do pai. Enquanto isso Eliezer, depois de ser comunicado que enfim receberá um prêmio do Ministério da Educação, passa a se tornar mais sociável com os pares da Universidade e se torna uma agradável companhia para uma senhora no campus. 
Além do menosprezo a inteligência do espectador em achar que certas partes do filme não serão compreendidas, e por isso precisariam de explicação antecipadas, a grande lacuna de “Footnote” é o pequeno espaço que o diretor proporciona aos atores coadjuvantes. Tanto a esposa de Uriel, que é a única que o confronta e expõe os seus defeitos, o filho, avesso aos costumes acadêmicos do pai e do avô, e, sobretudo a cônjuge de Eliezer, que sem falar uma única palavra no filme nos passa a nítida certeza de sua importância naquela família, não recebem o destaque merecido no longa.
Indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2012, “Footnote” foi preterido pela academia por “A separação”, de Asghar Farhadi, do Irã. Vale lembrar que nesse mesmo ano o Oscar de melhor filme foi para “O artista”. Tanto “A separação”, quanto “Footnote” são melhores que a produção francesa. Infelizmente ainda não damos o devido destaque a produções fora dos Estados Unidos.
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Crítica do filme "Footnote" publicada no site Cinema de Buteco.

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