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O escândalo Wigan da Inglaterra

O escândalo Wigan da Inglaterra.
Precisamos de clubes-empresas no Brasil? 


Por Sérgio Kendziorek
10/07/2020



Não pretendo (e nem tenho competência para) destrinchar a complexa situação vivida pelo Wigan da Inglaterra, mas correndo o risco de dar menos valia à brilhante matéria do The Athletic acerca do assunto, vamos tentar explicar:

O Wigan, time do norte da Inglaterra, possui uma história relativamente curta, já que foi fundado em 1932. Disputa atualmente a Championship (segunda divisão), alcançou seu auge com o título da Copa da Inglaterra em 2013 contra o Manchester City e garantiu vaga na Europe League. No mesmo ano, infelizmente, acabou rebaixado após 8 anos seguidos na gloriosa Premier League.

Como muitos clubes na Inglaterra, o Wigan possui um dono, capaz de dispor dos ativos do clube, assim como em uma empresa, diferentemente do que acontece no Brasil em que os clubes são associações sem fins lucrativos.

E por 23 anos, Dave Whelan esteve à frente do simpático time do norte da Inglaterra, tendo se separado do clube em 2018.

Whelan e seu neto Sharpe conheceram e acreditaram nos ideais da International Entertainment Corporation (IEC) de Hong Kong, conhecida por administrar uma empresa de hotéis e cassinos nas Filipinas, e concretizaram a venda.

As finanças não iam tão bem, mas tudo dentro do que se conhece da rotina contábil de times de futebol e no ano fiscal de 2018-19 o clube registrou um prejuízo líquido de 9,2 milhões de libras.

Observou-se que o clube dependia de empréstimos da IEC e as preocupações dos torcedores e diretoria começaram a se intensificar, principalmente quando em janeiro tudo indicava que o zagueiro Antonee Robinson seria transferido ao Milan por 10 milhões de libras, mas um recadinho direto de Hong Kong já sinalizava que o dinheiro não seria reinvestido no elenco.

Ninguém, no entanto, previu que, não muito tempo depois, a IEC venderia o clube para outro grupo. 

E em 29 de maio, foi anunciado a venda do todo poderoso Wigan por 17,5 milhões de libras para um grupo criado em janeiro de 2020, chamado Next Leader Fund (NLF).

Aí a bagunça piora. Lembra que a IEC emprestou dinheiro ao Wigan? Sr. Choi (presidente da IEC) foi declarado como detentor de mais de 50% da parte vendedora (IEC) e na parte compradora NLF. 

Confuso? Vai piorar.

Em 24 de junho, ou seja, menos de um mês depois, um empresário chinês chamado Au Yeung pagou 17,5 milhões de libras (uma quantia maior do que a IEC pagou a Whelan) e depois também cobriu o empréstimo de 24 milhões de libras, elevando o investimento total para £ 41 milhões !!!!!!! 

Au Yeung assumiu a propriedade total do Wigan e retirou o financiamento do clube no mesmo dia.

O Wigan passa por dificuldades até para pagar os salários de jogadores e de funcionários.

Muito ruim? Vai piorar.

O clube briga para se manter na 2ª divisão e a batalha contra o rebaixamento se intensificou e um dos maiores escândalos veio à tona quando o atual presidente da EFL Championship, Rick Parry, teve uma conversa gravada de seguinte teor: "Há rumores de que há uma aposta nas Filipinas de serem rebaixados porque o proprietário anterior (Dr. Stanley Choi) tem interesses de jogo nas Filipinas".

O Wigan possui entre 25 e 30 milhões de libras em ativos (atletas e bens). O zagueiro Antonee Robinson, que teve a transferência para o Milan cancelada, é um dos bons valores do clube além de talentos como Kieffer Moore, Joe Gelhardt, Joe Williams e Jamal Lowe, que podem ser vendidos a valores questionáveis, somente para arrecadar dinheiro rápido. 

Dizem que Whelan e seu neto Sharpe estão arrasados. Eles, de fato, acreditavam ter vendido o clube a bons empresários, o que até ocorreu nos primeiros 18 meses, mas agora ninguém sabe qual será o futuro do clube.

Voltando ao Brasil, muito se discute sobre projetos de lei para melhor regulamentar o futebol e “transformar” em algo mais próximo de uma empresa, principalmente com alterações tributárias. 

Hoje, as entidades desportivas são constituídas como associações civis sem fins lucrativos, eis que sua constituição seria, em tese, para a prática esportiva, sem pretensões econômicas. 

Apesar de nítido intuito de obter lucros, a maioria dos clubes continua a adotar essa modalidade de associação, pois os benefícios tributários são melhores, simples assim. 

Existem algumas possibilidades, como a criação de sociedade empresária limitada ou de sociedade anônima. Nestas hipóteses os direitos e deveres relacionados ao futebol profissional são transferidos à empresa, inclusive uso do símbolo, ativos do clube, jogadores etc.

Além disso, tramitam alguns projetos de Lei que pretendem criar modalidades específicas para o futebol, mas ainda são especulações e jogos políticos. Não se vê grandes avanços, pelo menos por enquanto. 

Acontece que há muita cobrança por uma melhora quanto à administração nos clubes - o que faz todo o sentido - mas não significa que a gestão empresarial provoque esta melhora, vide caso Wigan.

Quando olhamos para o PSG, Manchester City, Chelsea, todos comprados por empresários e Sheiks bilionários que investem fortunas em seus times, acreditamos que a exceção virará regra, mas infelizmente não é assim.

Além do risco de má gestão ou interesses escusos nos negócios (como apostas nas Filipinas), outro ponto é a questão moral-ideológica do dono do seu time. Caso do Newcastle que pode ser comprado pela bagatela de 390 milhões de euros por Mohammed Bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita,  suspeito de ordernar o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi.     

Portanto, atenção naquela discussão à mesa de bar, em que seu amigo brada pela gestão empresarial e que o seu clube do coração tenha um “dono”, avise-o: Cuidado… olha o que aconteceu ao Wigan. 


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